quinta-feira, 12 de junho de 2008

ARTIGOS

DILEMAS NACIONAIS DE ENERGIA - 1

A economia mundial depende de uma complexa produção de energia e as nações passaram a ficar divididas entre as que dispõem de energia suficiente para se manterem e as que dependem de outras. A China dispõe de petróleo, carvão e hidroeletricidade próprios e cresce comprando energéticos de outros países. A Rússia é superavitária em energia. O Iran é superavitário em petróleo e energia termonuclear. A Europa depende de compras de gás da Rússia. Os Estados Unidos dependem de grandes importações de petróleo e o Japão não sobreviveria a três meses sem entrada de petróleo do exterior. O mapa energético da América do Sul mudou radicalmente com a descoberta de imensas reservas de petróleo e de gás do Brasil, com a ascensão da Bolívia como exportadora de gás e agora com as enormes reservas de gás do Uruguai. A posição estratégica do Brasil mudou radicalmente com novas jazidas e nova tecnologia, mas o quadro geral obriga a uma reflexão urgente e cuidadosa, já que as diversas fontes energéticas não são mutuamente substituíveis.

O século XX esteve marcado por guerras pelo controle de fontes energéticas e a hegemonia na economia mundial depende da capacidade de garantir suprimento de energia, quando o mundo industrializado consome quantidades cada vez maiores de todos os tipos de energia. O mapa mundial da energia se vê como um mapa do petróleo, mas é preciso saber que o balanço geral de energia compreende diversas fontes e diversos usos nem sempre substituíveis uns pelos outros. O Brasil hoje passa por uma situação especial, em que seu modo de expandir a produção de energia não poderá continuar como foi nas últimas décadas. Entre 1950 e 2000 o Brasil construiu o maior sistema hidrelétrico integrado do continente, para isso aproveitando as melhores oportunidades topográficas disponíveis. Para o futuro terá que produzir energia hidrelétrica com barragens mais baixas inundando mais terras cultiváveis. A privatização açodada realizada desde o início da década de 90 transferiu custos diretos e indiretos para o sistema público e não alcançou resultados supostamente esperados de investimentos privados. Há um problema monumental a resolver nesse setor, entre controlar usos da água, melhorar desempenho de barragens e construir pequenas centrais hidrelétricas. No relativo à energia térmica, o país agora alcança resultados notáveis na produção de petróleo e gás depois de ter cometido graves erros de planejamento ao estimular usos de gás antes de ter produção própria. De qualquer modo, enquanto se produzia 15% do petróleo consumido na crise de 73 hoje o país produz o equivalente ao todo seu consumo e tende a se tornar exportador de petróleo. O pesadelo do gás pode terminar em uns quatro anos mais. Mas há grandes problemas que só podem ser superados mediante um planejamento integrado em longo prazo e com um claro sentido de interesse nacional.

Apesar de variações em lá menor do discurso técnico do setor, há um atraso dos investimentos em hidroeletricidade não inferior a cinco anos, que deverá ser enfrentado, assim como há um problema estratégico fundamental em torno da produção termonuclear. Ao olhar o que tem sido feito, bem como ao ver as ameaças de privatização de usinas rentáveis e de desnacionalização de minerais estratégicos, há boas razões para preocupação. Não se pode esquecer que os recursos obtidos com a privatização foram majoritariamente absorvidos pelo pagamento de dívida externa e não voltaram ao setor na forma de investimentos novos. No decorrer da década de 90 o Brasil tornou-se um país comprador de energia, que é uma situação que deverá ser revertida, mas que resume a acumulação de gestões desastrosas do Ministério de Minas e Energia durante os 90. Nesse mesmo período, o abandono do projeto nuclear brasileiro é um passivo cujas conseqüências incidem, inclusive, sobre a defesa nacional.

Há uma questão técnica conduzida por uma visão política. Prevaleceu uma visão subalterna, que aceitou critérios convenientes apenas para algumas nações exportadoras de tecnologia e de consultorias. A economia da energia no Brasil tem sido majoritariamente elaborada com uma abordagem identificada com curto prazo e com a defesa de interesses que não são compatíveis com prioridades nacionais. Em bom romance, a análise econômica da energia tem sido elaborada com critérios neoclássicos, desdenhando os riscos estratégicos da desnacionalização do setor. Não há razões aparentes que justifiquem subsidiar usinas térmicas para que não produzam, nem há como justificar porque obrigar o setor público a vender energia a preços inferiores aos do setor privado.
É uma verdade desagradável que neste início de século XXI o Brasil enfrenta problemas consideráveis em sua política de integração da produção de energia e de todo o relativo ao desenvolvimento de sua capacidade em fontes alternativas, especialmente em biomassa. Falta uma integração eficiente entre a política nacional e a dos estados. Falta mobilizar a sociedade organizada e especialmente desenvolver a capacidade de pesquisa das universidades. Com riscos indiscutíveis de apagão, com diversos problemas de estratégia da produção e problemas ambientais, é chocante a falta de divulgação dos problemas de energia, que deverão ser tratados ao nível dos municípios e das regiões.

Na realidade, trata-se de como pensar os problemas de energia e como encaminhar políticas consistentes com as realidades locais. O país precisa de energia para produzir e não só para iluminar as residências. É preciso conscientizar a sociedade brasileira que a política energética começa como políticas municipais e regionais e que os governos estaduais terão que ter uma participação efetiva no assunto, tal como tiveram na década de 80, quando as comissões estaduais de energia se uniram contra uma política nacional de produção de álcool que convinha apenas aos grandes capitais do sudeste do país.

Salvador,9 de julho de 2008
Publicado no Jornal Agora, Itabuna-BA
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UMA POLÍTICA INDUSTRIAL PARA A BAHIA

Nas condições atuais de centralização da capacidade de produção no Brasil, e, além disso, com perspectivas concretas de novos grandes investimentos que fortalecerão o perfil de economia primário exportadora, a Bahia precisa ter uma política própria de desenvolvimento, onde a política industrial será uma peça fundamental. Falta ao estado uma política industrial propositiva e capaz de enfrentar as grandes contradições de uso de energia e destruição ambiental que se vêm nesses novos empreendimentos. A concentração e de capital e a inércia tecnológica do complexo petroquímico delineiam novo quadro de emigração de fábricas, onde os interesses das grandes empresas se revelam claramente opostos aos do desenvolvimento econômico do estado.

A política econômica compreende a identificação de objetivos e metas a serem alcançados por iniciativa própria, junto com iniciativas dirigidas para ampliar a capacidade de tomar decisões. Isso significa o equacionamento político da problemática econômica, ações internas e manejo de relações internacionais. A identificação de uma política industrial depende de visão de conjunto e sentido de oportunidade para aproveitar as vantagens conjunturais que se encontram. No modo atual de funcionamento da economia brasileira, onde predomina a lógica da concentração de capital em São Paulo, agora reforçada por funções subsidiárias dos estados do sul e de Minas Gerais, a apatia baiana deixa abertos espaços de iniciativa que são aproveitados pelos estados do Nordeste. Praticamente, o estado se limita a receber investimentos internacionais que não contribuem para a formação de um parque industrial diversificado e continua sem soluções estruturais para o resgate de suas regiões tradicionais de exportação.

As necessidades de política industrial mudam ao longo do tempo e no relativo à Bahia tornam-se imperativas, primeiro, para prevenir outros retrocessos desastrosos e segundo, para criar um referencial adequado para articular as políticas de infra-estrutura, de desenvolvimento rural e de mineração. O crescente descolamento entre os grandes complexos industriais internacionalizados que operam em alta tecnologia e o grande número dos empreendimentos que se movem em escalas mais restritas de mercado aponta a um dado essencial da indústria no final do século XX, que é sua relação próxima com o conjunto de ciência e tecnologia e seu fundamento em logística. Neste ambiente já não se trata apenas de escolher A política industrial hoje significa algumas opções em tecnologia que têm que absorvidas em programas compartilhados por empresas e centros de pesquisa e não podem ser tratadas apenas para superar problemas operacionais. Para a Bahia, pensar em política industrial significará avaliar criticamente os processos anteriores e seus insucessos e examinar quais corredores de tecnologia podem ser explorados. As implicações dessa opção em termos institucionais e de renovação do sistema de planejamento são inevitáveis e obvias.

Salvador, 28 de junho de 2008
Pubicado na Revista da FIEB, Salvador-BA





NOSSA QUESTÃO URBANA

Temos problemas com nossas cidades, mas quais são realmente eles? Dar serviços às maiorias, resolver problemas de lixo e de saneamento? Elaborar planos urbanos? Problemas de educação? Segurança? São problemas separados uns dos outros ou conjuntos de problemas de cada cidade? Todos sabem que as cidades representam desafios que se tornaram decisivos para a sociedade moderna, mas nem sempre estão claras as diferenças entre os desafios urbanos entre países cuja população cresce pouco e países cuja população cresce rapidamente. Tampouco são as mesmas condições entre países que já alcançaram sua urbanização possível e países que continuam se urbanizando concentrando pobreza. Há condições urbanas e situações de urbanização, que se modificam, junto com as transformações do sistema produtivo e com o modo de vida das pessoas, que são diferentes entre. Há problemas crônicos para os quais não há soluções imediatas e outros problemas temporários para os quais se podem reunir políticas de emergência. Mas não há receita pronta para aqueles casos em que se concentram diversos grandes problemas em pouco tempo.

Por isso, a urbanização alcança sempre territórios maiores que os das cidades, resultando em relações entre cidades e com as zonas rurais. No Brasil em geral, na Bahia, descobrimos que as cidades ditas de porte médio, tais como Ilhéus, Itabuna e Vitoria da Conquista, têm diversos problemas semelhantes aos das grandes cidades. Onde a urbanização se distribui entre muitas cidades é mais fácil diluir os problemas de cada cidade, tal como acontece no oeste do Paraná. Quanto mais concentrada a rede urbana, tal como é na Bahia, mais difícil tratar com os problemas de cada cidade sem cooperação entre os municípios que são os lugares políticos das cidades.

Na verdade o movimento de urbanização aparece através de problemas das cidades que conhecemos e torna necessária uma renovação da análise urbana. Para praticar política urbana na Bahia precisamos de pesquisas sobre as cidades deste estado. São necessários estudos comparativos das nossas cidades, assim como de estudos realistas sobre as condições de vida dos grupos de baixa renda. A vaga do pós-modernismo teve a virtude de oferecer os argumentos da particularização dos problemas das cidades e das rupturas com as tradições como ferramentas de denúncia das soluções superficiais das políticas urbanas. Mas não se pode ficar apenas em uma posição de crítica descomprometida, porque os problemas urbanos estão próximos de nós e precisam de respostas imediatas compreensíveis pela sociedade urbana.

Para isso são necessárias ferramentas de política. Mas o que se passa para a maioria das pessoas são observações de problemas urbanos de outras cidades, inclusive de outros países. As observações disponíveis sobre nossa questão urbana são tópicas, raramente constituem um quadro coerente com o que se vê nas ruas. A imagem geral das cidades passada ao público pela mídia, que vê os ricos como anomalias desejáveis e inalcançáveis e os pobres como casos perdidos. Não se esclarecem as diferenças entre cidade e município, menos ainda entre cidade e região. Na verdade, o planejamento urbano no Brasil perdeu muito o sentido da relação entre casa e rua, entre rua e praça, lugar de morar e lugar de trabalho. O planejamento urbano se faz a partir da forma física das cidades em vez de focalizar no modo de viver as cidades. E a forma física cumpre bem o papel de mercadoria dúctil, passível de ser manipulada em grandes e em pequenos mercados. A política urbana que se precisa hoje é aquela que considera a cidade como um lugar onde se mora e vive. O significado social da política urbana é também o de recuperar o ambiente das cidades como um lugar onde se quer estar, onde deve ser bom viver.

Salvador, Maio de 2008
Publicado no Jornal Agora, Itabuna-BA





A PERDA DE MEMÓRIA

A perda da memória é um problema fundamental dos dias de hoje, que aparece em nosso meio, agravada pelo fato de que a elite educada da sociedade prefere se desligar de sua herança cultural. Mas a elite está diante de tensões na relação entre a composição social e a forma política, em que a velha circulação de elites – mudança de turno entre os mesmos – pode dar lugar a substituições importantes entre os que mandam. Os novos grupos que chegam à vida política têm outros valores e procuram outros elementos de memória, tais como de valorização de tradições locais e de escravismo.

A perda de memória em parte é uma manobra de controle social e em parte é um modo de selecionar os elementos com que se realizam as relações de cada geração com as anteriores. A perda da memória e não só de memória no sentido genérico, é uma das operações mais convenientes da perpetuação de formas sociais antipáticas. Exercitar a memória é o modo de recuperar elementos de identidade. Perder memória pode ser um movimento de desgaste de identidade, tal como acontece com os imigrantes que querem conquistar uma nova identidade, ou pode ser um modo de selecionar que se quer lembrar ou que se quer esquecer. Para que lembrar os discursos rebuscados do Padre Antonio Vieira, se não precisamos saber que ele foi o primeiro pensador político do Brasil? Para que perder tempo com os francesismos de Sabino da Rocha se a proposta baiana de república foi descartada pela elite escravista?

Dentre os vários modos de realizar a perda de memória está a destruição de bibliotecas. É um ato simbólico de destruição do passado, que ajuda, com grande eficiência, ao distanciamento entre gerações. A perda de memória é uma operação em que a Bahia tem sido exímia, destruindo a biblioteca municipal de Salvador para construir um prédio provisório que tornou uma peça permanente de mau gosto. A destruição de bibliotecas é uma arte baiana longamente aperfeiçoada. Foram quatro na década de 80, além das que foram depredadas. Pressupõe-se que ninguém precisa ler nem ter acesso a leitura. Nada mais grave não fosse que esse ato simbólico registra a ruptura pr0funda entre cultura e anticultura, identidade e desidentificação, valorização e desvalorização. A perda de memória é o modo de se desfazer de ingredientes incômodos da nossa consciência social, que podem atrapalhar nosso desejo imediato de poder. Assim, a perda de memória é uma manobra ideológica que reduz tudo a interesses imediatos.

Na ausência de um debate ideológico que traga uma proposta de futuro, a relação entre as decisões sobre hoje e para o futur0 ficou por conta do pleito ambiental, mas será que isso exime a responsabilidade do governo com o futuro? Ou o debate ambiental é apenas um desvão do problema maior de nosso futuro?

Uma consciência social da questão social no Brasil de hoje se confronta com interesses individuais cujo significado fica sempre por determinar. Quanto os grandes capitais que operam no Brasil como brasileiros são realmente brasileiros? Quanto a desnacionalização da produção siderúrgica é um incidente trivial ou representa para a industrialização do país? A perda da memória de tudo que se tentou fazer para industrializar a Bahia permitiu que hoje se apresentem idéias que caíram em desuso em 1960 como propostas atuais. A perda de memória sobre política urbana permite aceitar que as políticas urbanas para as principais cidades brasileiras sejam tratadas como problemas locais de urbanização e perdessem seu significado estratégico. Assim como permite que se tratem as invasões urbanas como fenômenos novos da urbanização brasileira, sem lembrar que as invasões urbanas são anteriores às rurais e que a maior parte das grandes cidades brasileiras cresceu nas últimas décadas mediante esse mecanismo.

A memória representa um compromisso com o passado, ao tempo em que é um pré-requisito de conhecimento novo. Perder a memória é como perder a própria sombra e precisar todos os dias começar de novo. Uma espécie de convalescença de uma doença que não aconteceu.

Salvador, Maio de 2008
Publicado no Jornal Agora, Itabuna-BA

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